Incessantemente

Ouvia-se o barulho ensurdecedor do silêncio do lado contrário das quatro paredes. Pensamentos envoltos em mais pensamentos diluíam-se numa despretensiosa intenção de resgatar os detalhes das últimas 48 horas. Frases sentenciosas eram escritas no ar com a ponta do indicador e rapidamente apagadas pelo movimento da respiração leve, serena. A vontade de adormecer só não era maior que o desejo de reviver aquilo que lhe causara alegria, mas o cansaço travara uma batalha cujo corpo não tinha mais condições de vencer.

Os olhos quase entreabertos cederiam ao sono em breve e, de súbito, os pensamentos ressurgiam e pairavam enlouquecidamente numa nuvem de nostalgia. Então, na infinidade de poucos segundos, ambos corpo e mente aquietaram-se, equivalendo-se à uma alma imperturbável.

Pupilas não mais dilatadas tentando buscar uma resposta na eternidade sombria. Corpo posicionado numa posição fetal, como se estivesse em busca de um refúgio maternal. Mãos carinhosamente unidas, feito criança que dorme e sonha com contos de fada. O tique taque do tempo incessante que tentava relatar as poucas horas de sono que ainda lhe restavam.

Até que toda aquela pacificidade foi bravamente interrompida por um som agudo e perturbador vindo do aparelho eletrônico. E o que tinha tudo para ser cortante, se despiu de toda e qualquer máscara de proteção e surgiu praticamente desnudo, vestindo doces palavras que significavam algo que nenhum som seria capaz de reproduzir com tanta afeição:

“Boa noite e um grande beijo.”